
Quando a gente menina cresce, os sonhos florescem junto com as transformações físicas e emocionais que marcam essa fase da vida. Floresce também o desejo de ocupar espaços, de ser ouvida, de construir novos caminhos. É com o mesmo brilho no olhar com que as crianças descobrem o mundo que temos a alegria de anunciar: o longa-metragem Quando a Gente Menina Cresce, realizado pela TV OVO, está entre os selecionados para o 53º Festival de Cinema de Gramado, que ocorre entre os dias 13 e 23 de agosto, na Serra Gaúcha.
O documentário, dirigido por Neli Mombelli, é um dos cinco títulos escolhidos para a Mostra Sedac/Iecine de Longas Gaúchos, que integra a programação do mais tradicional festival de cinema do país. Com sensibilidade e leveza, Quando a Gente Menina Cresce trata de um tema ainda cercado de tabus: a primeira menstruação. O filme acompanhou a transição vivida por meninas entre 9 e 12 anos ao longo de um ano letivo em uma escola pública da periferia de Santa Maria, no centro do Rio Grande do Sul.
“É uma alegria imensa a seleção para o Festival de Gramado. Será a estreia do filme e pretendemos levar as meninas e familiares para o Palácio dos Festivais para assistirem ele pela primeira vez. Será um dia mágico para todos nós, de diferentes formas. Será o dia em que o filme também se encontrará com o público”, comemora Neli.

Para abordar um tema historicamente invisibilizado, o filme precisou, antes de tudo, construir um ambiente de escuta e confiança. Segundo a diretora, o processo começou com o fortalecimento dos laços entre a equipe, as meninas e suas famílias:
“Fizemos reuniões com os familiares e com as personagens e seus colegas de turma, fizemos um mês de oficina de audiovisual para que soubessem como tudo funcionava, desde a câmera até a captação do som pelos diferentes tipos de microfones usados.”
Esse cuidado inicial permitiu que as meninas se sentissem à vontade para compartilhar, em conversas espontâneas, seus sentimentos, desejos, medos e as transformações físicas e emocionais que acompanham essa nova fase de descobertas. Elas revelaram aprendizados herdados de suas mães, mas também se mostraram questionadoras, capazes de romper com padrões e quebrar o ciclo geracional.
A proposta do filme também se reflete na equipe que o realizou: a produção é conduzida majoritariamente por mulheres, com presença feminina em frentes como roteiro, direção, direção de produção, som direto, fotografia e produção executiva. Essa composição fortaleceu a construção de um ambiente de confiança e acolhimento, contribuindo para que as meninas se sentissem à vontade diante das câmeras e participassem ativamente do processo. Além disso, a presença de mulheres em diferentes etapas da produção também funcionou como referência para as meninas, ao evidenciar possibilidades de atuação em áreas do audiovisual ainda marcadas pela predominância masculina.

Para além dos muros da escola
Ao longo de um ano de trabalho, a equipe mergulhou na rotina da escola e na convivência com as meninas, com os educadores da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Professor Sérgio Lopes e com as famílias do Bairro Renascença. Neli destaca que o envolvimento foi intenso e marcado por trocas significativas com o território que acolheu o projeto. O filme, segundo ela, é uma construção coletiva que revela a pureza, a delicadeza e a potência de Alana, Ana Julia, Emilly, Isadora, Taiane e Thaila, que assumem o centro dessa narrativa de escuta, descoberta e afirmação.
“Esse filme é como uma oração para elas e para que todas as meninas possam viver suas infâncias, conhecer e decidir sobre seu próprio corpo, sonhar e ter a possibilidade de ser o que quiserem ser”, declara a diretora.
Quem acompanha o cotidiano da escola também celebrou a seleção do filme. É o caso da diretora da Emef Sérgio Lopes, Andreia Schorn, que recebeu a notícia com grande emoção. Para ela, o reconhecimento do documentário evidencia a força de um projeto que vai muito além de registrar a vida das estudantes: ele preserva a memória da escola, dos professores e da comunidade. Andreia destaca o papel transformador do cinema, que acolheu a escola que, mesmo com desafios estruturais, é repleta de potência criativa.
“No nosso projeto pedagógico está escrito que a gente é uma escola feminista, uma escola que valoriza a história das mulheres, um lugar onde as meninas são incentivadas a serem quem elas quiserem ser. E esse filme traz um pouco de tudo isso, sabe? Mostra que não é só uma ideia no papel, que a gente trabalha pra que essas meninas realmente se sintam assim”, enfatiza a diretora da escola.
Ela destaca ainda que, mesmo diante das dificuldades e da sobrecarga enfrentada diariamente pelos educadores, a confiança no projeto se manteve firme.
“Todo o nosso envolvimento valeu a pena. Eu pensava que ia valer a pena só por elas se verem ali, mas ver essa história numa tela de cinema mostra que tudo valeu ainda mais. Não era só mais um dia de trabalho, não era só um projeto. Era a certeza de que estamos fazendo o melhor que podemos nas condições que temos, até termos condições melhores para fazer mais”, comenta Andreia emocionada.
Ao concluir, ela reconhece que o filme permite que as crianças ultrapassem as fronteiras simbólicas e geográficas que cercam suas trajetórias:
“A gente escreveu um projeto pra fazer as crianças voarem. E agora elas vão voar, sem pedir licença.”
Primeiro longa-metragem

A seleção do documentário também marca um momento histórico para a TV OVO: este é o primeiro longa-metragem do coletivo, que completa 30 anos em 2026. Com quase três décadas de atuação, a TV OVO construiu sua trajetória com foco na formação em audiovisual para jovens e na produção de conteúdos que retratam a vida das comunidades e a memória local. Para Denise Copetti, integrante da TV OVO e produtora executiva do filme, a conquista é resultado direto dessa caminhada:
“Toda a trajetória da TV é marcada principalmente pela formação em audiovisual para jovens e pela produção de documentários retratando as comunidades, a vida desses jovens. A TV OVO veio se aprimorando, amadurecendo a forma de contar essas histórias. Estar no Festival de Gramado com nosso primeiro longa é sinal de que esse processo todo está dando frutos maiores, de reconhecimento”, avalia.
A participação no festival não é inédita. Em 2020, o curta-metragem Quando te Avisto, dirigido por Neli Mombelli e Denise Copetti, foi selecionado para a programação. No entanto, por conta da pandemia, a equipe não pôde acompanhar a exibição presencialmente. Agora, com a nova produção selecionada para a Mostra Sedac/Iecine, a presença em Gramado ganha novo significado.
“Eu acho que é um momento muito feliz para a TV OVO e para todo mundo que faz parte dessa produção. A gente tem percebido um amadurecimento nos trabalhos da TV, nos desafios que nos foram propostos nos últimos anos. Acho que temos melhorado muito a forma como contamos essas histórias”, observa Denise.
Aprovado no Edital SEDAC n° 01/2022 – FAC Filma RS – Financiamento Pró-cultura RS, o filme Quando a Gente Menina Cresce conta com o apoio institucional da Secretaria de Município de Cultura e da Santa Maria Film Commission.
Texto: Nathália Arantes / TV OVO