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Documentário abordará o acervo Art Dèco da Rio Branco e defenderá a luta pela preservação do patrimônio santa-mariense

Mais uma vez os caminhos da vida real e do universo do cinema se cruzam e surge mais um documentário que se envolve com a memória e a identidade santa-mariense. Desta vez, a pauta é a defesa do patrimônio histórico-cultural de Santa Maria, movimento que nasce em função de alterações do Plano Diretor aprovado neste ano na Câmara de Vereadores. As modificações no desenho urbano alteram as regras de planejamento, construção e organização da cidade pelos próximos 10 anos e, deste modo, colocam em risco os prédios históricos da cidade, expondo-os à especulação imobiliária. Entre o patrimônio ameaçado está o segundo maior acervo contínuo em Art Déco das Américas, que projeta Santa Maria para o mundo, já que fica atrás apenas da Ocean Drive, em Miami. (Leia matéria de O Globo que fala da Ocean Drive, da sua arquitetura e vocação para o turismo.)

“Eu, como santa-mariense, não consigo me conformar com a ideia de que é preciso destruir o passado para construir o futuro. Isso, além de ser equivocado, é uma estupidez, porque você destrói um imenso patrimônio – inclusive econômico – de possibilidades de desenvolvimento, de alternativas econômicas que dizem respeito ao turismo, à indústria criativa, à gastronomia e a dezenas de atividades econômicas associadas à preservação do patrimônio histórico. Em Santa Maria, a gente não percebe porque está degradado, porque está feio, porque não está pintado, porque está em ruínas. Mas se a gente lançar um olhar generoso sobre a cidade de onde a gente é, ou sobre a cidade que a gente vive, vamos perceber a beleza da singularidade da arquitetura local. Santa Maria é uma cidade única. O privilégio de ainda termos em pé o maior conjunto contínuo de Art Déco da América Latina (segundo das Américas) nos dá a imensa possibilidade de reforçar esse sentido de pertencimento. Então tem tudo a ver com autoestima, com amor ao lugar que a gente vive, tem tudo a ver com história, com memória”, reflete o jornalista Marcelo Canellas, um dos entusiastas do Movimento em Defesa do Patrimônio de Santa Maria e que propôs a produção de um documentário sobre o assunto em parceria com a TV OVO.

No cenário santa-mariense, a luta pela preservação do patrimônio arquitetônico impulsiona atitudes de protestos. Os primeiros passos de luta partiram de um grupo engajado com a causa, que formaram, então, um coletivo em defesa do patrimônio ameaçado. Logo após a formação do grupo e estruturação de ideias, organizou-se um ato público no centro da cidade que reuniu diversos cidadãos engajados com a causa.

A respeito da produção do documentário, Canellas diz que o filme busca provocar uma reflexão sobre as maneiras de como a gente deve tratar a nossa história e nosso patrimônio. O documentário já está em fase de pesquisa, com gravações previstas para o final do ano.

Francamente ativista e militante é como Canellas define o filme em processo. Ele afirma que temos a obrigação cidadã de defender a memória da nossa cidade. A produção servirá como uma ferramenta de mobilização social em prol do patrimônio. A ideia é que o filme produza reflexão e debate, fazendo emergir o contraditório, que é sempre rico para a troca de conhecimentos.

A obra vai fundamentar- e na ideia de que o correto é a preservação histórica e cultural dos prédios, mas Canellas explica que o documentário planeja também entender as razões das pessoas que acreditam que para construir o futuro da cidade é preciso destruir o passado, “pretendemos ouvir essas pessoas, ouvir essas razões, dar espaço para que elas se expressem. Mas o documentário vai lançar a nossa interpretação sobre o embate daqueles que querem simplesmente se livrar de um patrimônio afetivo, cultural e com uma forte inflexão da manutenção da nossa fisionomia como cidade justificando a destruição do patrimônio na defesa de um suposto progresso. Uma visão mais preservacionista e que tem a ver com uma postura civilizatória porque ela nos afirma como cidadãos que querem manter o rosto de cidade, e a outra visão daqueles que querem simplesmente uma alternativa para ganhar dinheiro”, explica o jornalista.

A nova lei aprovada – que movimenta Santa Maria – ameaça o acervo contínuo de Art Déco da Rio Branco. A estética da Art Déco surge na Europa em 1920, porém teve maior expressividade nos Estados Unidos, e na década de 1940 chega à Santa Maria. O movimento artístico tem características como: sacadas curvas, simetria, linhas retas e inspirações em transatlânticos, que remetem ao progresso e à industrialização porque passava o mundo no período. Até hoje, ao voltarmos os olhos para cima, é possível encantar-se com o estilo dos sobrados e prédios, com a riqueza dos detalhes, mas também entristecer-se, pois a manutenção dos tesouros arquitetônicos que abrigamos em nossa cidade é insatisfatória, encontram-se depredados, em ruínas, ofuscados pelas marcas do tempo e da indiferença de políticas públicas de preservação.

Em vista da importância social, cultural e histórica do acervo e de outras edificações espalhadas pela cidade, um documento assinado pelo atual prefeito Jorge Pozzobon atesta o tombamento provisório de 135 construções – incluindo na lista 16 prédios localizados na Avenida Rio Branco, mas que ainda não garante a efetiva preservação desse acervo que identifica Santa Maria. Em vista dessa problemática, o coletivo que dá forma ao Movimento em Defesa do Patrimônio ganha força. Integram o movimento moradores de Santa Maria, artistas, produtores culturais e entidades como o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), o Conselho de Arquitetura e Urbanismo, o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (Comphic), o Conselho de Políticas Culturais, a União das Associações Comunitárias (UAC),  a Associação de Moradores da Vila Belga, entre outros santa-marienses engajados com a causa.

No manifesto em defesa do  tesouro arquitetônico ameaçado, o coletivo em defesa do patrimônio histórico e cultural de Santa Maria menciona a preocupação com a proteção dos valores culturais da cidade. “Para cuidar da cidade, ajudar a manter sua beleza e fazê-la crescer, é preciso fomentar a ideia de pertencimento, de amor por este lugar de convívio. Amar implica conhecer: as pessoas não esquecem o que amam, e só amam de verdade o que conhecem“, por isso a importância de defender o que é sua memória e sua identidade. Confira o manifesto na íntegra.

Veja a lista dos 16 prédios que integram parte do conjunto de Art Déco da Avenida Rio Branco.

Edifício Mabi – Nº 134 e 138

Edifício sem nome – Nº 148

Sobrado residencial – Nº 167

Edifício Correio do Povo – S/nº

Hotel Tupy – Nº 234 e 252

Edifício propriedade de Raimundo Cauduro – Nº 318 e 332D

Edifício Dr. Eduardo de Moraes – Nº 354, esquina com a Rua Daudt

Edifício Santa Maria – Nº 378, esquina com a Rua Daudt

Edifício Ibirapuitã – Nº 390

Sobrado residencial – Nº 404, esquina com a Rua 13 de Maio

Edifício Emérita – Nº 404

Sobrado residencial – Nº 479

Sobrado sem nome – Nº 548, 554 e 560

Edifício Francismari – Nº 1864 esquina com a Rua Silva Jardim,

Edifício Mauá – Nº 842

Edifício Cauduro (Antigo Hotel Jantzen) – Esquina com a Rua Venâncio Aires

Quando questionado sobre a não valorização dos patrimônios arquitetônicos da cidade, Canellas enxerga a situação de um modo que coloca a ganância em detrimento da qualidade de vida da população. Para ele, significa abdicar do rosto de Santa Maria, significa tornar a cidade sem personalidade, ser uma cidade como todas as outras, desfigurar a história, abrir mão de uma alternativa de negócio econômico que tem a ver com a identificação das pessoas com o lugar onde elas vivem. Ele conclui que sem a revigorarão das áreas urbanas que contam sobre o nosso passado, a cidade de Santa Maria tem muito a perder.

Prédios em sequência no início da Avenida Rio Branco remetem ao movimento Art Déco, característico da década de 1940. Foto de Tayná Lopes.

O dicionário define cidade como: aglomeração humana localizada numa área geográfica circunscrita e que tem numerosas casas, próximas entre si, destinadas à moradia e/ou a atividades culturais, mercantis, industriais, financeiras. Mas o conceito vai muito além disso, existe toda atmosfera sensível, política e humana que forma uma cidade, seus moradores, sua história e movimentos. A levada poética de Canellas inspira a ideia de que uma cidade é feita em camadas, de momentos urbanos.  Ele diz que é feita de épocas que se sucedem e se justapõem, e essas épocas dialogam umas com as outras e fazem com que a cidade tenha sua própria memória. “Se você vai para Roma, por exemplo, num mesmo quarteirão, você vê momentos urbanos que dialogam entre si, você encontra prédios da antiguidade, você encontra prédios da idade média, do renascimento, e da modernidade e a pluralidade desses momentos urbanos fazem com que a cidade reconheça a riqueza da sua história.  Do ponto de vista das pessoas que moram em uma cidade como Roma se cria uma sensação de pertencimento e de amor ao lugar onde você vive, e do ponto de vista das pessoas que vem de fora cria-se uma relação de empatia que toca na emoção das pessoas”, exemplifica Canellas.

Para que Santa Maria continue tocando as emoções de quem anda por aqui, sejam estudantes de passagem ou moradores antigos, para que cresça e se desenvolva economicamente e culturalmente, para que fomente a memória, o afeto, e toda carga de pertencimento e identidade que a palavra memória carrega consigo, o zelo e cuidado com a nossa história em forma de construções precisa existir e perdurar.

Por Tayná Lopes

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