A partir deste título, que também foi uma frase proferida pelo ator Flávio Bauraqui, é que daremos início a este texto reflexivo que se apoia nas discussões trazidas pelo Colóquio Audiovisual e Representatividade Negra realizado em formato de live pela TV OVO em agosto, com a participação do ator e cantor Flávio Bauraqui e da roteirista, diretora e produtora Mariani Ferreira.
Qual é o lugar do corpo negro no audiovisual ?
Essa pergunta carrega uma ambiguidade que, para ambas as respostas, traz um desconforto. Se entendemos este questionamento como uma provocação ao buscar entender o local de agência e luta dos artistas negros, esbarramos em respostas cuja as soluções não são fáceis, e raramente dependem apenas de nossas vontades. Se cogitamos interpretar a pergunta de forma maliciosa e racista, nos damos conta que desde o início do audiovisual, ainda que tenhamos progresso, sempre houve uma expectativa de que continuássemos engessados e limitados em nossas capacidades.
Resolvi então, mediante a esta pergunta, refletir e elaborar algumas questões que possam guiar nossos passos para o entendimento da resistência enquanto movimentadores artísticos negros.
Fomos colonizados em nossas mentes. Se estamos iguais em desgraça por um motivo em comum, por que nos colocarmos uns contra os outros numa competitividade doentia e sintomática para a qual a hegemonia chama de produção de material para a indústria?
A articulação entre artistas negros promove, para além de uma coesão de discurso, uma visibilidade que jamais receberíamos de mãos brancas. Além de derrubar o mito do negro único, em que, aparentemente, hoje em dia, faz com que o ego de uma realizador audiovisual negro se equivalha a de um branco, onde ter seus iguais crescendo junto a você significa ameaça.
Não há honestidade na criação das nossas narrativas, arquitetadas por mãos estrangeiras. Coletivos audiovisuais negros já se propõem a lutar por pautas de integração racial no cinema garantido por leis, tais como: petições para que se abra um curso público de cinema e cotas raciais nos editas culturais, de audiovisual e igualdade de salários entre contratados negros e brancos. Ou seja, democratização aos produtores e consequentemente aos consumidores.
Se pensarmos na amplitude dos veículos de audiovisual hoje em dia, veremos que, de alguma forma, ele permeia quase todas as classes sociais brasileiras de formas distintas; seja propriamente no cinema, na TV e até em celulares. Sendo assim, a arte educação não se promove apenas como teorias e sim com imagens e sons. Levando em consideração o apego popular brasileiro à sétima arte, podemos entender que o alcance massificado, com uma reestruturação dos bastidores até o produto final do que se consome, tem um grande poder no imaginário social acerca dos corpos negros. Falamos de naturalização, equidade, prática e colheita das aberturas de portas aos artistas negros. Quando temos uma manifestação da hegemonia, abrimos automaticamente as possibilidades para uma contra resposta, para olhares opositores e indignados.
“Respeito não vão ter por mim?”
“ Protagonista, ele é preto sim!”
(Mandume – Emicida)
Por Caroline Meirelles*
*Diretora de arte e cenógrafa, atuante no audiovisual independente. Natural de São João de Meriti, Baixada Fluminense, é graduada em Cinema e Audiovisual na UFF. Conduz em paralelo pesquisas sobre audiovisual e relações étnicos raciais. Como diretora de arte, assina projetos como os curta-metragens “Memória de quem (não) fui” (2019), de Thiago Kistenmacker, contemplado pelo edital Lab Curta; “Vó, A Senhora É Lésbica?” (2018), de Larissa Lima, selecionado no II Festival Mimoso de Cinema e no Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul; e o videoclipe “Cardi B” (2020), do rapper Rodd. Também assina a cenografia do espetáculo “Nanã” (2018), de Gabriela Reis, e assistência de arte do clipe “Máquina de Mistério” (2017), para a banda Drápula e o projeto tela preta tv (2018)
A live do colóquio foi uma das atividades do projeto Narrativas em Movimento e teve financiamento da Lei de Incentivo à Cultura de Santa Maria.