Quando a juventude encontra a linha do horizonte

Na praia, ser criança é colocar os pés na areia e pular as ondas do mar de mãos dadas com um adulto. A aventura não é algo a se preocupar – as pequenas-grandes emoções são supervisionadas por pessoas que nos amam e jamais permitiriam que algo de ruim nos acontecesse. Maré mansa e nascer do sol: a infância é um corpo com protetor solar e colete.

Ser jovem é ir para a praia às 12 horas e enfrentar uma ressaca sem álcool. Ressaca: movimento anormal das ondas do mar causado por rápidas e violentas mudanças. A reação é andar até que os pés já não encostem mais no chão, mergulhar até que se bebam alguns goles de água salgada. Na pré-adolescência, pensamos que bom mesmo é ser levado pela correnteza… E só mudamos de opinião quando já estamos perdidos na praia. A juventude é uma insolação causada pela certeza de que na sombra ninguém se queima.

Com alguns arrependimentos e uma insolação no histórico, eu comemoro as certezas que perdi pelo caminho. Aos 15 anos, fui parar em uma psicóloga, onde na primeira e única sessão afirmei que “os defeitos nos diferenciam” e insisti que não queria correr o risco de amenizar os meus conflitos internos e não sobrar nada de “diferente” em mim. Recordo de ser apresentada à literatura barroca e de achar poética, intensa e contraditória a sua geração de jovens escritores que preferia “entregar-se à eternidade”. A certeza de que, após a morte, eles se tornariam imortais por meio da escrita. Mais uma vez as certezas resultavam em precipitadas opiniões.

Aos 18 anos, eu viajei sozinha pela primeira vez. No Uruguai, conheci a Cecilie, uma dinamarquesa poucos anos mais velha. Foram quase 40 dias morando juntas em um albergue. Amávamos a mesma banda, Calle 13, e tínhamos muitas outras coisas em comum. A nossa principal diferença era a forma de enxergar o ontem, o hoje e o amanhã. Na época, eu estava concluindo o primeiro ano de faculdade, procurando estágios e inventando metas. Ela, morando em um país sem obstáculos para ingressar no ensino superior, havia abandonado um curso e não sabia qual seria o seu rumo profissional quando voltasse para a Dinamarca. Cecilie se preocupava com o presente. Eu me preocupava com o futuro – não é isso que nos ensinam a fazer? Ser jovem no Brasil é buscar certezas e encontrar frustrações. Quando conquistar uma vaga na universidade é uma luta, abandonar um curso torna-se uma derrota. Foi libertador conhecer alguém que não sentia culpa em “não saber”.

Por aqui, onde grande parte dos jovens precisa batalhar muito para conquistar o mínimo, dizer que a “a juventude é a melhor fase da vida” é um ato irresponsável! Ser jovem no Brasil não é muito encorajador. Além da população jovem (e negra) representar a maior parte das vítimas de homicídio do país, o suicídio entre jovens de 15 a 29 anos aumentou 27,2% entre 1980 e 2014. São questões distintas, mas que já se enquadram como casos de saúde pública – para não desistir do amanhã, a nossa juventude precisa acreditar que a melhor fase da vida é a próxima. Mais do que promessas, precisamos de esperança.

Dez de setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio e a taxa de mortes entre jovens está 20% acima da média nacional. A juventude, como mostram as pesquisas e as ruas, precisa de atenção, informação e diálogo. Eu ainda sou jovem, mas por esses três motivos, não sou a mesma. Busco formas de mediar os meus conflitos internos – se precisar, eu vou da meditação à terapia, sem abrir mão de longas conversas – e não romantizo o sofrimento. Os escritores pessimistas não têm mais a minha dedicação. Se o ontem ensinou que o mormaço também queima, o amanhã convencerá que a correnteza dos nossos sentimentos pode nos levar para lugares extremamente perigosos – além de opiniões, as certezas geram ações precipitadas. Voltar para a praia é redescobrir a linha do horizonte: depois do caos, finalmente é possível admirar a beleza do inalcançável. Sem culpa e sem medo de “não saber” – a perfeição não existe e querer tudo ao mesmo tempo é mergulhar fundo demais. O pôr do sol, as incertezas e os pés no chão também têm o seu valor. Cecilie estava certa: “um dia de cada vez”. Se o futuro é preocupante, então é hora de começar a se preocupar com o presente. Como se sentem os jovens que você conhece? Pergunte para eles! Hoje eu sei… O que nos diferencia são as nossas atitudes.

 

Por Manuela Fantinel

Foto de Neli Mombelli

  *Os dados citados são do Atlas da Violência de 2017.

 

Cronica falada

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