Na sala de espera:
Júlia: TU POR AQUI?
Eu: Oi… Como assim?
Júlia: Ah, é que tu escreves umas coisas tão lindas…
Eu: Tá, e daí?
Júlia: Não, nada não… Eu quis dizer que… É bom saber que alguém como você também vai ao psiquiatra…
Foram três sessões e eu ainda sinto muito pelo médico que ouviu as minhas contradições. A Júlia (nome fictício, mas não muito) estava elegante, como sempre, mas com cara de choro, como nunca – afinal, somos apenas “conhecidas de festas”, relação bastante comum em Santa Maria. Isso não justifica a falta de sensibilidade, mas fiquei sem reação diante de um elogio tão particular: a minha não-total-e-nem-tão-incrível-sanidade-mental foi celebrada e recebi o rótulo de “alguém como você”. Sensacional!
É engraçado como pensamos que a Felicidade é uma moça que vive lá na rua da casa do Neymar e que, vez ou outra, quando está entediada, decide visitar as pessoas normais e suas vidas banais. Grande distorção! Eu não preciso ter a Felicidade diariamente ao meu lado para confiar em sua amizade. A Felicidade é, na verdade, bem parecida com a Júlia. Ambas têm sorrisos bonitos, mas também choram, porque ficar triste é estar vivo e estar vivo é, bem ou mal, ter a chance de ser feliz. As duas são discretas e, se você não se esforçar, elas serão, no máximo, suas “conhecidas de festas” e nunca parte da sua rotina. Tanto a Felicidade quanto a Júlia não esperam por mim e nem por você e é muito provável que elas se surpreendam ao nos encontrarem bem longe de nossas certezas e bem perto de um divã. Ambas estão sempre por perto, mas a insegurança já me fez pensar que elas sequer frequentavam o meu bairro.
É preciso desrespeitar os próprios planos, mesmo correndo o risco de decepcionar o outro, para tropeçar na Felicidade. Não é por acaso que muitas revoluções históricas ocorreram no momento em que uma ou várias pessoas ousaram ocupar lugares que não foram criados para elas. E isso independe da sua visão sobre sucesso ou fracasso, sobre estar no ápice ou no fundo do poço, mas esclarece o que é estar vivo – não há nada mais vivaz do que, vez ou outra, com gratidão ou desespero, esquecer-se dos planos e pegar-se perguntando: “EU POR AQUI?”.
Não é necessário atravessar o mundo. Em uma esquina santa-mariense, a Felicidade esbarra em “alguém como eu” e em “alguém como você”, mostrando que há muito mais de “nós” do que poderíamos imaginar. A Felicidade estava lá, na sala de espera, está aqui e está por todos os lados – só não a encontra quem desiste de andar. Eu torço para que sempre tenhamos a sorte e a oportunidade de surpreender a Júlia e a nós mesmos, e que gratos ou desesperados, façamos mais uma pergunta retórica:
– Eu por aqui? É, eu por aqui! Sou amiga íntima da Felicidade desde o momento em que descobri o quão alto as pessoas normais com vidas banais podem voar…
Que seja louco, como somos todos: eu, você, a Júlia e o Neymar!
Manuela Fantinel.
Foto de Renan Mattos.
Adorei!!
A felicidade está ali, só não encontra quem desiste de andar…amei. ..
Uma escritora nata e talentosa! Parabens Manu, coloca muito sentimento em suas palavras. Muita admiração por teu trabalho, nos presenteie sempre com belas e sensatas crônicas.Sucesso total!
adorei a .. só não encontra quem desiste de andar. está ali.