O caminho das armas à paz

Hoje eu acordei “meio rebelde”, eles disseram. Qual é, dormiu de calça jeans e amanheceu estressada? Nem quero imaginar qual seria a reação se eu admitisse: veja bem, esta sou eu sendo mansa! Troque os verbos – eu não estou, eu sou. Eu sou a sigla de três letras que destrói relacionamentos e assina cartas de demissão. “Eu não estou de TPM, eu SOU a TPM”, confessei para três amigas na mesa do bar, inspirada em Walter White – não produzo metanfetamina, mas produzo hormônios. As lágrimas e dedos-na-cara não me atingem, as mudanças de humor não me alcançam: sou uma super-heroína ou, ao contrário, sou assim o mês inteiro e nem sinto a diferença?!

Quase sempre (escrever é uma luta contra as generalizações) que uma mulher fica nervosa e se exalta, desconfiam que ela perdeu a razão. Mas quando um homem se exalta, ele está com a razão – o tom de voz transmite credibilidade. Donald Trump mandou avisar que os homens que se exaltam – em todos os sentidos, pois a autoestima muitíssimo elevada também é uma característica deles – são os atuais “donos da razão” em todos os cantos do mundo. Comigo a história é outra: quem ganha a minha atenção é José Alberto Mujica Cordano. O livro “Mujica – A Revolução Tranquila”, de Mauricio Rabuffetti, conta a história do (para sempre) presidente uruguaio e de sua caminhada das armas à paz. Ativo no Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros no final da década de 60 (definido pelos integrantes como um “movimento político com armas”), Mujica afirma que sempre foi um político, apenas mudou de método.

Admiro, sem romantizar, a simplicidade de um homem que conquistou o mundo na contramão do poder que transforma nossos governantes em semideuses. Não vou debater sobre as leis aprovadas durante o seu mandato, pois o maior ensinamento de Mujica é a sua forma de mudar as coisas: no “mano a mano”. Aqui, no Brasil, onde o número de homens eleitos chega a ser 36 vezes maior que o de mulheres eleitas, uma revolução tranquila nunca será uma revolução feminista. Governos como o da Síria, do Irã e da Somália contam com mais representatividade feminina em seus ministérios do que nós, mesmo sendo locais onde a situação da mulher é denunciada como gravíssima pelas entidades de direitos humanos. A contradição é que representamos em torno de 45% dos filiados a partidos políticos e mais da metade do eleitorado – será, mesmo, sério, na boa, que as mulheres não estão no poder por falta de interesse na política?

Quando vamos às ruas em protesto, nós nos manifestamos politicamente. Quando insistimos em falar até que (eles) nos ouçam, nós nos manifestamos politicamente. Quando não rimos de piadas machistas, acredite, não é culpa (ou mérito) da TPM! Quando eu escrevo de forma incisiva, eu não sou uma radical – eu sou mais uma que nem sempre é levada a sério e, por isso, aprendeu cedo: se conseguires um pouco de atenção, arrisque as suas melhores palavras. Mujica mudou de método e nós, mulheres, também: não há mais camaradagem com a ignorância. Precisamos assumir o poder – esse é o único caminho das armas (metafóricas, por favor) à paz.

Se as nossas reivindicações forem ouvidas, nós largamos as munições. Enquanto não existir um “acordo de paz”, eu vou dormir e acordar “meio rebelde”. Com a sua licença, Reginaldo Rossi, que o meu repertório é amplo: aqui, nesta mesa de bar, vocês vão cansar de escutar centenas de planos de rebelião. É necessário um escândalo para que sejamos respeitadas? Sem problemas! Quando eu puder escolher entre uma revolução caótica e uma revolução tranquila com a garantia de que ambas serão feministas, eu acabo com a cara de brava, escrevo uma crônica sobre o meu ex-namorado e vou fazer escolhas políticas e didáticas que realmente me interessam: Mujica, posso pegar carona no seu fusca?

manifesto

a nossa liberdade GRITA
revoltada com essa pregação de novela
que a vida imita
como cresce o amor dentro do patriarcado?
eu te quero
mas não sou tua
vomitei neste sistema
de peão dormindo atado
eu sou a louca fugitiva,
no masculino,
viajante sofisticado

eu sou mulher, graças a mim!

sem câmara ou senado
apenas com um lápis no rim

ir e vir e nunca estar só
contrariar a sua opinião sem ser diminuída a pó
porque somos a droga na avenida
mas não somos vendidas
eu não existo pra fazer sua cabeça
existo pelo Kahlo que lateja,
Frida

mulheres, assumam o poder!

nada contra a primeira-dama

mas não viemos ao mundo para ter voz apenas na cama

perdoa o meu sarcasmo

eu não vou me contentar só com o teu sobrenome

e com o teu entusiasmo

não queremos mais ouvir
as justificativas para a história
tempo esgotado
queremos respeito
queremos direitos

e queremos
agora

 

 

 

Por Manuela Fantinel

Ilustração de Pedro Lago

 

Cronica falada

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