O baú

Voltei do trabalho mais cedo. Assim que entrei em casa, Maria apontou para o embrulho imenso, assentado no chão da sala:

– Chegou o baú.

– Que baú?

– O baú que o senhor comprou.

Eu não tinha comprado baú nenhum. Mas, quando desembrulhei o enorme pacote, cortando com um estilete várias camadas de plástico bolha, o que apareceu diante de mim foi mesmo um baú. Um belíssimo móvel de carvalho marchetado, com um ferrolho de ferro fundido e o brasão da Coroa portuguesa pintado a mão na tampa. Não havia dúvida de que era uma antigüidade. Como fiquei incomodado em vez de feliz, a faxineira se assustou. Atabalhoada, passou a remexer nervosamente a cestinha da cozinha onde guardo contas e boletos.

– Achei! – suspirou, aliviada.

 

E me entregou um cartão onde li “Aníbal Antiquário”.  Telefonei para o número impresso em vermelho. A senhora Eufrásia, que se identificou como assistente do senhor Aníbal, disse que não havia nada de errado com a entrega. O endereço estava correto, e a mercadoria, um baú português em carvalho do século 18, foi vendido por 2 mil e 500 reais, e pago à vista, em dinheiro, pelo senhor Marcelo. Não houve Cristo que convencesse a mulher de que havia um engano, de que eu não havia pago um tostão, e de que aquela antigüidade não era minha.

 
 

Chamei um táxi e obriguei um mal humorado motorista a me ajudar com o baú. Mas, quando cheguei ao endereço do cartão, fui  impedido pela senhora Eufrásia, uma fleumática velhinha de uns 90 anos, de desembarcar o móvel. Irredutível, em pé na porta da loja, interpôs sua frágil figura com a obstinação de um leão-de-chácara. Era inegociável: o senhor Aníbal estava viajando e ela não podia aceitar devoluções sem o consentimento dele. Voltei para a casa amuado,  com o baú, e no mesmo táxi do motorista  emburrado.

 

No dia seguinte, quando cheguei do trabalho, Maria, feliz da vida, me conta que o próprio senhor Aníbal tinha vindo buscar o baú, deixando mil desculpas pelo transtorno.

 

– Graças a Deus! – suspirei.

 

– Mas ele deixou esse envelope…

 

Quase caí para trás ao ver que havia 2 mil e 500 reais dentro dele, a devolução do suposto valor do baú. Desesperado, chamei outro táxi e corri para o antiquário com o maldito envelope em mãos. Quando entrei na loja, esbaforido, encontrei meu vizinho Marcelo, xará do apartamento 310, reclamando um baú que não lhe fora entregue. Depois de tudo esclarecido, baú e dinheiro devolvidos respectivamente a quem de direito, o senhor Aníbal nos ofereceu vinho do Porto para brindar aos rearranjos do acaso. Tim-tim!

Marcelo Canellas.
Foto Neli Mombelli.
 

Cronica falada

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *