Outras rotas, novas histórias: a verdade está na curva

Eu te localizei nas redes sociais. Fui para encontrar (e encontrei) algumas selfies aos sábados, fotos do seu cachorro aos domingos, amigos, hambúrgueres, livros e praias. Foi como chegar a um novo país! Mas como eu poderia afirmar que te conheço se andei apenas pela avenida principal?

A mídia desconhece a resistência e a luta indígena nos Estados Unidos. Algumas cidades, como Detroit e Cleveland, foram à falência e, até agora, do lado de cá, poucos ouviram falar sobre essas ruínas do capitalismo. O Quênia possui a maior produção de rosas do mundo e exporta para toda a Europa, mas, veja bem, ninguém se importa. Em 2016, a hashtag #TheAfricaTheMediaNeverShowsYou (em português, “a África que a mídia nunca te mostra”) denunciou uma grande falha de comunicação: as histórias repetidas colocam países e pessoas em caixas simplistas e desconfortáveis.

A globalização, ainda que ofereça uma pluralidade de meios pelos quais os fatos podem ser narrados, permite que cada um de nós seja um sujeito criador da realidade do outro – e é a mídia que, bem ou mal, alimenta o discurso da população. Ensinar, apresentar ou representar de maneira irresponsável é fortalecer estereótipos e sustentar opiniões rasas. Como se as vaias e os aplausos não pudessem se encontrar nas esquinas da vida, separamos os perdedores e os vencedores, os odiados e os amados, os países de primeiro e os de nenhum mundo. Com as caixas cada vez menores fica impossível sair do lugar: uma pessoa com muitos desdobramentos é condenada a uma única versão, um local cheio de vielas é lembrado por uma única passarela. Com o tempo, ninguém mais acredita que você não cabe em uma única caixa.

A antropologia diz que é preciso abandonar o Eu para conhecer o Outro. Não é só sobre gentileza ou empatia, é também sobre ética: para contar uma história, a prioridade é do personagem e não do narrador. É do Outro e não do Eu. Eu não posso contar a história do Outro de acordo com os meus interesses e/ou ser cúmplice de histórias discriminatórias e injustas. Grace Lee Boggs entendeu o recado. A escritora, filósofa e ativista norte-americana lutou pelos direitos civis dos negros e, em 1963, ao lado de Martin Luther King Jr., foi uma das organizadoras da Marcha sobre Washington. Mas por que uma filha de imigrantes chineses abraçaria essa causa? Ela explicou: “Você não pode mudar uma sociedade a menos que você se veja como pertencente a ela e responsável por ela”. Mais atual do que nunca, o seu aviso justifica os tempos difíceis – o empoderamento das minorias deixou a nossa sociedade mais diversa, mas não mais unida. Quando é que vamos nos responsabilizar pela história do Outro?

O continente africano não se resume a animais selvagens, crianças desnutridas e doenças. O sonho americano, a Disney e a Casa Branca não dão conta da complexidade dos Estados Unidos. Um país não é três ou quatro notícias no horário nobre e eu e você também não merecemos ser apenas o que os outros falam ou pensam de nós. Quando for encontrar algo ou alguém, ao vivo ou nas redes sociais, lembre-se: a verdade não anda em linha reta.

Sobre lugares e pessoas: quando foi a última vez que você saiu da alameda principal?

“Qualquer que seja a sua história, a sua raça ou a sua classe, você tem o direito e o DEVER de sacudir o mundo com novos sonhos”. (Grace Lee Boggs)

 

Por Manuela Fantinel

Foto de Renan Mattos

 

Cronica falada

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